quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A minha autocrítica, o marxismo e a degeneração de muitos comunistas


Aqueles que têm afinidades com o campo de esquerda marxista desejam ardentemente a revolução, ou seja, a transformação desse atual modelo societário para outro modelo, baseado na justiça, na equidade, no bem comum, na democracia popular, na felicidade de todos etc.


Esse “outro modelo” chamamos de socialismo, a fase inicial ou transicional, que irá desembocar no fim do Estado opressor/regulador, ou seja, no comunismo, que é uma sociedade livre (emancipada) e autogerida pelo povo, sem exploração do homem pelo próprio homem.


Esse é o “ABC” do marxismo (traduzido de uma maneira bem simplista, eu reconheço) defendido por muitos na esquerda brasileira e mundial, espalhados em diversos partidos e com clivagens diferentes, por vezes até lutando entre si (o problema da divisão da esquerda marxista fica para outro artigo).


Depois da emblemática queda do muro de Berlim, em 1989, tem-se uma crise de todo o “campo socialista” que gravitava em torno da antiga União Soviética (URSS) e militarmente defendido pelas tropas do Pacto de Varsóvia. Com isso, não somente mostrou-se esgotado aquele modelo de transição pós-capitalista (marcadamente stalinista), mas também colocou-se em dúvida a validade mesma das teorias de Marx e de todo o projeto socialista revolucionário – fazendo uma colagem equivocada entre o “marxismo-leninsimo” dos partidos-Estado com a teoria crítica marxiana e suas possibilidades contemporâneas.


Atualmente, os regimes burocráticos-autoritários comandados por partido único, tal como existe em Cuba, na Coréia do Norte, Vietnam e China, também não motivam as massas trabalhadoras (e nem os intelectuais) como exemplos de uma vida melhor do que o capitalismo democrático burguês, ainda que possamos reconhecer avanços sociais em alguns aspectos. Por onde ir? Onde buscar inspiração?


Muitos debandaram depois do colapso do “socialismo real”, mas alguns ficaram e continuam defendendo a tese de que o capitalismo não é a única e nem a melhor solução para o viver societal humano, basta olhar sua lógica expansionista, concentracionista, excludente, discriminatória e destrutiva. A utopia de um mundo comunista permanece de pé, ainda que tenha perdido enorme terreno simbólico em muitos países. Para a esquerda marxista, o comunismo é a conseqüência lógica da democracia que na sua feição burguesa apresenta limitações óbvias (cf. Yvon Quiniou em “Socialismo, impasses e perspectivas”, Scrita Editoral) .


A questão que se coloca é como mudar esse sistema capitalista, em especial, após a derrocada de um determinado modelo de transição (chamado de socialismo real)?


Alguns irão defender uma mudança societária dentro das “regras do jogo” da democracia liberal (pensando aqui na perspectiva de Norberto Bobbio e sua defesa das “regras democráticas” universais), ou seja, de eleição em eleição, de projeto em projeto, de cargo em cargo, nós vamos pontualmente mudando a sociedade até chegarmos ao “novo modelo”. Chamam isso de caminho democrático para o socialismo, entendendo que a democracia é um valor universal (portanto, não existe essa “velha” dicotomia de democracia burguesa e democracia popular). Esse “caminho democrático” para o socialismo envolveria uma paciência não-autoritária (Adam Przeworski).


O comunismo, pensando como Marx, é a própria radicalização da democracia que no seu aspecto burguês – ao que chamamos de democracias capitalistas ou liberais ou burguesas – apresenta profundos entraves para a democratização do fazer político, da participação, da economia e sua riqueza.


As crises e os conflitos são inúmeros. Nesse sentido, não defendo dicotomias excludentes, mas diferenças substantivas na democracia. No socialismo, caminho para o comunismo, há uma nova democracia que tem o poder popular como sua base e não o controle parlamentar hegemônico da classes empresarias-financeiras com seus representantes, fantoches e lacaios.


Os exemplos históricos até aqui, dessas tentativas de socializar dentro das “regras do jogo democrático” com o controle do grande capital, foram trágicos e não mostraram nenhuma eficácia, do ponto de vista da sua continuidade/estabilidade governamental. O eleitoralismo e o caminho parlamentar “democrático” não se mostrou historicamente uma opção válida de caminho para o socialismo-comunismo, ainda que reconheçamos as diversas vitórias do movimento operário e dos trabalhadores em geral dentro dos marcos dessa democracia eleitoral-parlamentar.


Em geral, as tentativas de um caminho democrático eleitoral para o socialismo tomaram dois rumos históricos concretos:


1- Acabaram em golpe de Estado pelas forças de direita (apoiadas pelo imperialismo internacional) contra esses governos de “caminho democrático” para o socialismo ou derrotas eleitorais manipuladas e apoiadas pelas classes empresariais e países imperialistas (O Chile de Allende e a Nicarágua de Ortega apontam nesse sentido e, em parte, Jango em 1964 no Brasil);


2- Acabaram em oportunismo puro, degeneração dos partidos de esquerda, com os seus líderes e partidos antes socialistas vivendo dentro das benesses do capitalismo burguês e abandonando assim a perspectiva da revolução popular ou transformação societária. O alvo agora passava a ser apenas manter-se e reproduzir-se no poder (governabilidade passa a ser um conceito comum), tornando-se na prática sociais-democratas com a conversa de que “o amanhã a Deus pertence”, portanto, vivamos o hoje e aproveitemos a “vida de príncipe” que o sistema nos proporciona no Parlamento ou em alguns cargos públicos e/ou comissionados.


Um segundo caminho apontado – semelhante ao primeiro, mas com um apelo mais radical – é o chamado “reformismo revolucionário”. Ele abraça com ardente fé a utopia socialista, acredita na revolução, até se diz comunista em alguns casos, mas enquanto o quadro histórico revolucionário não está posto na ordem do dia, vamos então reformando a sociedade burguesa e radicalizando os seus mecanismos democráticos elitistas até um dia chegarmos ao processo revolucionário e mudarmos esse modelo societário no caminho do socialismo. Em geral, gostam muito de citar Antonio Gramsci e seu conceito de hegemonia para assim legitimar sua busca de vitórias pontuais no interior da ordem dominante do capital até “aquele dia” (eu nunca achei Gramsci ou Rosa Luxemburgo reformista, mas...). Sua visão é etapista: Na primeira fase reformas, depois uma insurreição (ou ponto de ruptura) e a revolução que nos levará ao socialismo e com ele ao comunismo.


Semelhante ao primeiro grupo, muitos “reformistas revolucionários“, com o passar do tempo, esqueceram-se da revolução e ficaram apenas com o seu reformismo social-liberal, uma tentativa, por vezes até nobre, de “dar uma face mais humana” ao capitalismo burguês, gerenciado o velho Estado e seus mecanismos ideológicos e repressivos. Renderam-se a lógica do mercado com algumas doses keynesianas de intervenção e sentem-se profundamente satisfeitos com isso. É o possível e quem reclamar é “radical demais”, “esquerdista imbecil” e por aí vai.


Na prática, eles abandonaram a utopia comunista e se aliaram aos sociais-democratas na busca de eternas melhorias intra-sistêmicas, abandonando gradativamente a perspectiva crítica e sua revolução. Mudar para manter, ou seja, as reformas e melhorias no interior da ordem capitalista de mercados monopolistas se tornaram um fim em si mesmo.


Por último, encontramos os resistentes, aqueles que se mantém na crítica ao sistema capitalista tardio e não aceitam um mero reformismo sem perspectivas reais de uma mudança societária. Um outro mundo é possível.


Esses resistentes compreendem que a revolução não é necessariamente um momento isolado ou insurrecional, mas um processo crescente, um caminho ao comunismo, sem etapismos, mas conectados com os movimentos sociais e civis, protagonizado pela classe trabalhadora ampliada (o proletariado) e tendo como norte reflexivo o método de Marx (não sua versão dogmática estatal chamada de “marxismo-leninismo” pelos partidos de Estado no antigo socialismo real). Nesse sentido, o chamado eurocomunismo e o marxismo analítico podem nos fornecer importantes ferramentas reflexivas para a ação política concreta, incluindo é claro a boa tradição gramsciana e mesmo pensadores mais liberais como Norberto Bobbio não podem ser esquecidos.


Os que se colocam no campo revolucionário não são contrários às reformas sociais, econômicas e políticas dentro do sistema capitalista, mas apontam seus limites que, em última estância, nos conduzem ao necessário aprofundamento das mesmas que, aí vem a crise, redunda na ruptura do modelo societário vigente.


Esses revolucionários não temem se autodenominar como comunistas ou simplesmente marxistas e se encontram espalhados/divididos em diversos partidos (dentro do PT, PSB, PPS e do PDT ainda existem alguns isolados, além do PCB, PSOL, PCdoB, PPL, PSTU, AND, PC-ML, etc.) e ainda há outros atuando fora das estruturas partidárias atuais da esquerda brasileira, nos movimentos sociais e estudantis.


Todos esses marxistas que se mantém dentro do paradigma revolucionário – nos marcos de uma teoria crítica – juntos não cabem talvez numa caminhonete, ou seja, “somos todos grupelhos” como dizia Félix Guattarri (ainda que tenhamos profunda conexão com os interesses populares, das amplas maiorias), o que é pior, estamos divididos e fracionados, por vezes uns contra os outros e de uma maneira selvagem, anti-fraterna e estúpida.


Somos uma minoria dentro do atual cenário político, mas, quem disse que a maioria tem sempre razão? Precisamos pensar numa política de frente popular com um programa que não seja apenas uma maquiagem social no velho Estado burguês, mas aponte avanços progressistas, substanciais. É uma construção de médio ou longo prazo, dependendo da dinâmica societária, mas possível.


As minorias ideológicas também fazem história (e podem se transformar em maioria) e o modelo societário capitalista, mesmo que não estando hoje em colapso (mas sim em crise permanente), apresenta pelo menos cinco graves problemas sem solução nos seus marcos econômicos-sociais: o problema ecológico, o problema da riqueza e pobreza (o alargamento das diferenças), suas crises cíclicas, o desemprego estrutural e as questões étnicas (racismo, xenofobia, preconceitos em relação às "sexualidades dissidentes" etc.).


A minha história pessoal começou no PCB dos anos 80, durante a campanha “O PCB é legal” e no apoio a política frentista de consolidação do Estado de Direito Democrático. Depois, para o reformismo puro e simples foi um pulo, onde cheguei até mesmo a flertar com o novo liberalismo, tudo na busca de uma "solução política" pós-Queda do Muro.


Hoje, faço uma profunda autocrítica da minha atuação política e profissional – sou sociólogo formado com ênfase em ciência política. Vejo claramente que a injustiça e a barbárie é o resultado do modelo societário capitalista (mesmo esse sendo o capitalismo tardio ou pós-moderno se preferirem) e não há outro caminho ético-político senão a crítica revolucionária, sem nenhum esquerdismo dogmático e infantil, sabendo aproveitar as brechas sistêmicas para avanços no campo sindical, parlamentar, cultural, político, organizativo, etc.


A teoria crítica tem um enorme patrimônio político-cultural para se repensar no século 21, aproveitando o melhor de Marx, Lenin, Trotsky, Mao, Lukács, Althusser, Gramsci, Rosa Luxemburgo, os teólogos da libertação entre outros. Todos esses pensadores e suas experiências concretas são ricas para construirmos um caminho revolucionário escoimado dos equívocos do passado século 20.


Essa minha “guinada à esquerda” é fruto de quem apostou tudo no reformismo, comemorou a queda dos regimes da URSS e do Leste Europeu (o antigo “campo socialista”) para, no final das contas, perceber que nada mudou, o mundo não ficou melhor por conta disso e quem triunfou foi o capitalismo – que se tornou ainda mais cruel e sem freios diante da ausência de alternativas que servissem de “pressão“.


Com a queda do “socialismo real” não foi o reformismo social-democrático vinculado aos interesses do chamado “mundo do trabalho” (expressão que usávamos muito no PCB dos anos 80) que saiu vitorioso, nem mesmo evoluímos para uma democracia socialista, houve restauração capitalista e maior perda para os trabalhadores e oprimidos do mundo inteiro. O meu otimismo caiu por terra depois da avalanche neoliberal e do reacionarismo que as democracias burguesas assumiram, algumas sob gestão de antigos partidos de “esquerda”.


Tenho profunda consciência de que atuar criticamente dentro dos marcos de uma democracia liberal é muito difícil, pois as estruturas do Estado – sua base econômica ou infra-estrutura e seus aparelhos ideológicos ou superestrutura, duas dimensões que interagem na manutenção sistêmica – são trincheiras de poder que não são tão permeáveis a crítica ou oposição marxista que tem nos trabalhadores seu ator principal (o proletariado), sem contar que enfrentamos uma brutal alienação desses trabalhadores e oprimidos (as classes subalternas, como alguns preferem conceituar) e seu processo de reificação (lembrando aqui de Lukács) é estimulado pela mídia e aparelhos ideológicos correlatos.


O Estado é um aparelho hegemonizado pelos interesses das classes empresariais burguesas (incluindo o latifúndio que se transformou em agro-negócio, apoiado por interesses monopolistas internacionais), ou seja, pelo grande capital globalizado e multifacetado. Ele está funcionalmente à serviço dessas classes dominantes e, se necessário for, mantém o monopólio da força para reprimir todo e qualquer movimento contestatório que ameace o controle dessa elite de poder (C. W. Mills).


Suas leis (todo o seu ordenamento jurídico) e sua chamada “democracia” servem apenas como aparência de justiça “para todos”, de pseudo-liberdade e alternância de poder, pois na prática, sabemos que é um “jogo de cartas marcadas” onde a justiça funciona majoritariamente para os ricos e poderosos e os partidos burgueses mantém sempre a hegemonia no Congresso Nacional e na sociedade civil como um todo, restando aos críticos de esquerda alguns poucos e nebulosos espaços de atuação – que devem ser valorizados e nunca abandonados em nome de um pessimismo recluso, pois a minoria de hoje pode ser maioria amanhã.


Vejamos, como exemplo, as votações no Congresso, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras municipais onde parlamentares marxistas enfrentam derrotas acachapantes diante de uma ampla maioria financiada pelo grande capital. Recentemente, aqui na ALERJ, o projeto Nissan-Sérgio Cabral foi aprovado de maneira servil pelo parlamento estadual, onde todos os destaques de interesse popular ou “mais amplo” foram derrotados pelos lacaios do esquema de 6 bilhões de renúncia fiscal sem contrapartidas sociais ou ambientais


Os aparelhos ideológicos de Estado (parlamento, partidos, mídia, sistemas religiosos conservadores, escolas, sindicatos, família, aparato jurídico, instituições culturais, ONG’s, etc.) interagem com os aparelhos repressivos do Estado (Governo, administração pública, forças armadas, polícias, tribunais, sistema prisional, etc). Enquanto os primeiros atuam através do convencimento (ideologia), os segundos atuam em última instância com a violência repressiva, a garantia última da manutenção da ordem do capital e das classes empresariais.


Com isso, mesmo que um partido de esquerda conquiste um Governo (e aí eu deixarei para outro artigo sobre os problemas eleitorais para a esquerda marxista), ele estará sitiado por toda uma estrutura de poder (repressiva e ideológica) que irá lutar para manter a ordem societária capitalista, o que levará sempre a conflitos, tentativas de sabotagem, instabilidade governamental, etc.


O processo de detonação do PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e do ministro Orlando Silva, que gerou sua queda, é um exemplos simples e ilustrativo.


Não sou favorável a nenhuma corrupção, nem sou membro deste partido, mas, sejamos honestos, por que será que a mídia – financiada com o dinheiro do grande capital e latifundiários – não defende uma CPI dos Bancos? Uma investigação do sistema de comunicação no Brasil e suas relações com o poder econômico-político? O financiamento das campanhas eleitorais?


Destruir com a imagem de um partido com o nome “comunista” é muito mais interessante para esse modelo societário que aí está - contribuindo ainda mais para gerar desesperança entre os trabalhadores - do que realmente acabar com os grandes tubarões da corrupção que mantém/reproduz a ordem burguesa no Brasil.


Por outro lado, sinceramente, não é de hoje que muitos críticos de esquerda apontam um processo de degeneração da direção atual do PCdoB que o transforma, de eleição em eleição, num partido ávido por cargos e postos de poder, consumido pelo eleitoralismo e alianças esquisitas com partidos burgueses e setores de direita, alguns chamados por seus dirigentes de “setores progressistas“ da sociedade brasileira. É triste e comprometedor. Necessário é repensar o PCdoB, sem negar a necessidade de alianças políticas com setores progressistas dentro dos marcos de uma democracia liberal como a nossa.


Pensemos nisso tudo e retornarei com outras reflexões, aguardando o seu comentário.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Para onde vai a esquerda no Brasil?

Um vídeo para pensarmos os rumos da esquerda marxista no Brasil.


Milton Temer entrevistando José Paulo Netto.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Tempos bicudos

Quando pensamos em mudança social e política esbarramos em uma estrutura de poder econômico, político e ideológico das classes empresariais dominantes que engessam qualquer mudancismo radical.


A falta de um consciência crítica por parte das classes subalternas, o reformismo da maioria dos partidos de esquerda que, ao invés de lutar por uma ruptura desse sistema capitalista, querem mais e mais cargos para participar dele, em nome de dar uma "feição humana" para o regime de exploração que vivemos.


O PT de ontem não é o mesmo de hoje. Os partidos comunistas não tem mais espaço para uma crítica substantiva. O PC do B é uma lembrança daquilo que um dia foi. O MR-8 virou PPL e defende um programa reformista aliado aos empresários brasileiros, além disso, não esqueçamos, era o "pessoal do Quércia - PMDB" nos anos 80/90.


Ainda temos o PCB, PSOL, PSTU e os isolados do PCO, mas não representem uma ameaça para a dominação burguesa, além das suas contradições internas e, em alguns casos, esquisitices ideológicas e radicalismos infantis.


E os outros partidos?


Fazem parte do hipócrita jogo eleitoral das democracias políticas desiguais. Alternam-se no poder, sendo alguns dos seus membros mais ou menos alinhados com os interesses populares.


A luta é muito difícil e o ser humano parece mais e mais massificado e "unidimensional", lembrando aqui de Herbert Marcuse.


O que nos resta então?


No meu caso, minha fé em Deus que um dia haverá "novos céus e nova terra", que o Seu Reino será implantado entre nós e todo o mal, toda a injustiça será esmagada. No mais, apoiemos todos os focos de resistência crítica à ordem sociometabólica do capital, somando-se a todos os movimentos de contestação que contribuam para uma reflexão crítica e para o acúmulo de forças das classes subalternas e oprimidas.


As massas populares, na sua maioria, parecem imersas em querer ter mais (consumismo doentio) e se alienar através de alguma droga lícita ou ilícita, incluindo alguns discursos religiosos conservadores e amilenaristas.


Seguir em frente, fazendo a crítica e contribuindo onde for possível. Tempos bicudos, como diziam os antigos.

Louis Althusser (1918-1990), um pensador da transformação social

“É essencial ler e estudar o Capital. Devo acrescentar que é necessário e essencial ler e estudar Lênin e todos os grandes textos, novos ou antigos, aos quais se devem a experiência da luta de classe do movimento operário internacional. É essencial estudar os textos práticos do movimento operário revolucionário em sua realidade, seus problemas e contradições: seu passado e, acima de tudo, sua história presente.” (Louis Althusser in "A Filosofia Como Uma Arma Revolucionária")




Louis Althusser nasceu em 16 de outubro de 1918 na cidade de Birmandrais, na Argélia, então colônia francesa, para onde parte das famílias de seus pais havia emigrado.

Após cursar o ensino fundamental em Argel, Althusser vai em 1930 para a cidade francesa de Marselha, completando ali os seus estudos secundários.


De 1936 a 1939 ele frequenta o Lycée du Parc de Lyon, no qual se prepara para o concurso de ingresso na École Normale Superieur (ENS) de Paris. Nesse período, Althusser era católico e militante da Jeunesse Étudiante Chrétienne.


Em 1939 ele ingressa na ENS, mas antes mesmo de iniciar os seus estudos é mobilizado para lutar na Segunda Grande Guerra e cai prisioneiro dos alemães, permanecendo em um campo de concentração de 1940 a 1945. Após o conflito, passa então a estudar filosofia na ENS, na qual se formaria em 1948.


Desde o período da guerra Althusser padece de sucessivas crises psíquicas, que o acompanharão por toda a sua carreira. A partir de 1948 assume o posto de "caiman" - professor encarregado de preparar os estudantes para os exames de agregation - na ENS. Este também é o ano em que Althusser ingressa no Partido Comunista Francês, tendo já há algum tempo deslocado-se de suas posições católicas anteriores para o marxismo.


É no início dos anos sessenta, no entanto, que surgem os trabalhos mais importantes de Althusser - Pour Marx (A favor de Marx) e Lire Le capital (Ler O capital) - que, contrapondo-se à leitura dominante de Marx até então vigente, terão o efeito de uma verdadeira revolução teórica no campo marxista. Sua produção intelectual se estenderá até os anos 80, com retificações, aprofundamentos e o desenvolvimento de uma original teoria da ideologia e dos Aparelhos Ideológicos de Estado.


Sempre sofrendo de crises psíquicas e passando por períodos de tratamento e convalescência, Althusser vive em 16 de novembro de 1980 o drama de ter causado involuntariamente, por estrangulamento, a morte de sua companheira, Hélène, em uma severíssima recaída na doença. Afasta-se, então, do trabalho acadêmico e da cena pública, mas continua a produção teórica imerso na solidão e na culpa. Daí resultarão a sua biografia, L'avenir dure longtemps (O futuro dura muito tempo), em que reconstitui a sua trajetória e a tragédia que se abateu sobre ele, assim como uma série de textos em que apresenta uma concepção nova do materialismo, recuperando o atomismo dos pensadores da Grécia antiga, por ele denominada de "materialismo aleatório" ou "materialismo do encontro", e na qual alguns veem uma ruptura com a sua concepção primeva, e outros uma continuidade com ela.


Althusser veio a falecer no dia 22 de outubro de 1990, vítima de um ataque cardíaco.


A principal contribuição que Althusser deu à teoria marxista foi a crítica ao economicismo e ao humanismo que dominavam as leituras de Marx. Demonstrando a irremediável ruptura entre Hegel e Marx, Althusser oferece uma nova periodização da obra marxiana, distinguindo um período de juventude, ainda ideológico, não-marxista, um período de maturação, no qual Marx formula o corpo conceitual de sua teoria, mas ainda em parte prisioneiro da ideologia burguesa, e o período da maturidade, em que a teoria do materialismo histórico é fundada em bases científicas rigorosas. Assim, por meio do conceito de corte epistemológico, Althusser deixa ver na própria constituição da teoria marxista a emergência da problemática científica do interior do campo da ideologia e em luta com ele.


A afirmação do caráter materialista da teoria de Marx, formada por um conjunto de conceitos científicos, como os de modo de produção, relações de produção, forças produtivas, ideologia, luta de classes, infraestrutura, superestrura, etc, vai se contrapor à interpretação do marxismo como um vago humanismo, ancorado na noção de homem e de seus "predicados", que remete ao direito burguês e à circulação mercantil, e que sustenta, portanto, os "valores" da própria ideologia burguesa dominante.


Igualmente, Althusser rompe com a concepção de que para Marx o "motor" do processo social e histórico seria o desenvolvimento das forças produtivas, de tal sorte que um progresso linear em direção ao comunismo já estaria inscrito na história como destino inelutável. Rompendo com essa concepção teleológica e economicista, Althusser mostra que Marx, especialmente em O capital, sustenta o primado das relações de produção, abrindo a história para as incertezas da luta de classes. Dessa leitura de Marx, que põe no centro de sua concepção a luta de classes, Althusser recupera a noção de determinação em última instância do econômico, dando assim às instâncias da superestrutura - e das questões e lutas culturais-ideológicas - uma eficácia própria que pode permitir a elas jogar o papel dominante na reprodução das relações sociais.


A dialética marxiana, assim, é o contrário direto da dialética hegeliana, na qual a contradição se apresenta como o desdobramento de um princípio interno simples, ao passo que em Marx ela é sempre sobredeterminada, isto é, a contradição nunca se apresenta pura, mas como uma conjunção de determinações eficazes incidindo sobre um determinado objeto.


Althusser criticou também a concepção de ideologia como falsa consciência, compreendendo-a como "uma representação da relação imaginária dos indivíduos com as relações de produção e com as relações delas derivadas", e lhe emprestando uma irredutível materialidade, tal como aparece no conceito de Aparelhos Ideológicos de Estado, que veio permitir que a concepção marxiana de Estado fosse ampliada e aprofundada.


Louis Althusser analisa o processo social como fenômeno objetivo, e não como o resultado da vontade de um sujeito. A sua intervenção teórica ao romper com os limites impostos pelas leituras hegelianas de Marx, põe em evidência a capacidade explicativa e transformadora do marxismo, constituindo, assim, entre as análises marxistas, uma referência importante para a luta dos trabalhadores contra o capital.


Atualmente estão disponíveis em Português as seguintes obras:


1967 A Querela do Humanismo
1968 Sobre Brecht e Marx
1968 A Filosofia Como Uma Arma Revolucionária
1978 O Marxismo Como Teoria "Finita"